Militares queriam assassinar Lula, Alckmin e Moraes e monitoraram passos de autoridades, diz PF; veja detalhes da investigação
Envenenamento, sequestro, homicídio, plano impresso no Palácio do Planalto, e estimativas de R$ 100 mil de gastos com os planos de execução.
Essas foram algumas das informações reveladas pela Polícia Federal na investigação sobre um suposto planejamento para o assassinato do então presidente-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, em novembro de 2022.
De acordo com a decisão de Moraes, uma operação foi deflagrada pela PF nesta terça-feira, 19, para prender quatro militares “kids pretos” e um agente da PF que planejavam “eliminar” Moraes e “extinguir a chapa presidencial vencedora” nas eleições de 2022. O plano, chamado de “Punhal verde-amarelo”, segundo as investigações, previa sequestrar ou executar Lula, Moraes e Alckmin no dia 15 de dezembro de 2022.
O monitoramento teve início após uma reunião na casa do ex-ministro da Defesa Walter Souza Braga Netto , que foi candidato a vice de Jair Bolsonaro (PL) derrotado nas eleições presidenciais.
Trechos do documento constam na representação enviada pela PF ao Supremo Tribunal Federal, que embasou a prisão de quatro militares do Exército e um policial federal nesta terça-feira (19).
“As atividades anteriores ao evento do dia 15 de dezembro de 2022 indicam que esse monitoramento teve início, temporalmente, logo após a reunião realizada na residência de Walter Braga Netto, no dia 12 de novembro de 2022″, diz a PF no documento. A ainda diz que, entre as ideias cogitadas pelo grupo, estava a de envenenar o ministro Alexandre de Moraes.
“Foram consideradas diversas condições de execução do ministro Alexandre de Moraes, inclusive com o uso de artefato explosivo e por envenenamento em evento oficial público. Há uma citação aos riscos da ação, dizendo que os danos colaterais seriam muito altos, que a chance de ‘captura’ seria alta e que a chance de baixa (termo relacionado a morte no contexto militar) seria alto”, afirma trecho.
Para os investigadores, os envolvidos admitiam inclusive a possibilidade de eles morrerem no andamento da suposta operação golpista.
No trecho final, no entanto, os golpistas falam que também levantaram informações sobre outros alvos possíveis identificados por codinomes:
- Jeca – que, segundo a PF, faria referência a Lula;
- Joca – que, também segundo a PF, seria Geraldo Alckmin;
- e Juca – que a PF, até esta semana, não tinha conseguido identificar.
No material, intitulado “Planejamento Punhal Verde Amarelo”, os militares listam uma série de “demandas” operacionais e logísticas para concluir os planos. E indicam, também, as “condições de execução” – ou seja, as circunstâncias que permitiriam, de fato, executar a chapa presidencial eleita em outubro de 2022.
ENTENDA MAIS:
Os presos nesta manhã são o general da reserva de brigada Mário Fernandes, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, o major Rodrigo Bezerra Azevedo e o major Rafael Martins de Oliveira, além do policial federal Wladimir Matos Soares. Os militares foram presos no Rio de Janeiro, enquanto faziam segurança de autoridades no G20.
Os agentes ainda cumpriram três mandados de busca e apreensão e 15 medidas cautelares que incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, além de impedir qualquer um dos alvos das investigações de deixar o país, com exigência de entrega dos passaportes em até 24 horas.
Os fatos investigados configuram, em tese, os crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
Plano para matar Moraes, Lula e Alckmin foi impresso no Palácio do Planalto
Na investigação, a PF descobriu que Mário Fernandes, ex-número dois da Secretaria-Geral da Presidência, imprimiu no Palácio do Planalto o “plano operacional” para assassinar Lula, Alckmin e Moraes.
O Plano tinha três folhas e foi impresso no gabinete da Secretaria-Geral. A investigação aponta que o então presidente Jair Bolsonaro também estava no Palácio no dia.
No mesmo período, verificou-se também a presença concomitante, na região do Palácio do Planalto, de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e Rafael de Oliveira.
“MÁRIO FERNANDES, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, estava no Palácio do Planalto e imprimiu o planejamento operacional denominado ‘Punhal verde-amarelo’, que descreve o plano para prender/executar o ministro ALEXANDRE DE MORAES, além dos integrantes da então chapa vencedora das eleições presidenciais, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA e GERALDO ALCKMIN”, diz a representação da PF.
Reunião na casa de Braga Neto
As diligências da Polícia Federal indicam que os investigados realizaram, no dia 12 de novembro de 2022, uma reunião na casa do ex-ministro e candidato a vice derrotado nas eleições daquele ano, o general Walter Braga Neto.
Os investigadores afirmam que as atividades de monitoramento dos alvos tiveram início logo após o encontro. Rafael Martins de Oliveira questionou Mauro Cid, apenas dois dias depois, sobre “alguma novidade”, referindo-se ao assunto tratado na reunião com Braga Neto.
Estimativa de gastos para o plano era de R$ 100 mil
Em troca de mensagens detalhadas pela PF, Mauro Cid questionou Rafael Martins sobre a estimativa de gastos para execução dos planos. O major afirmou que os custos com alimentação, hotel e material totalizariam R$ 100 mil.
“Conforme visto, os elementos de prova descritos já demonstravam que RAFAEL DE OLIVEIRA, desde o dia 11 de novembro de 2022, estava atuando juntamente com outros militares para financiar e direcionar as manifestações golpistas em curso naquele momento”, diz a PF.
Além disso, documentos protegidos por senha, intitulados ‘Copa 2022’, foram trocados pelos investigados. Pelo teor dos diálogos, tratavam-se de estimativas para ações clandestinas que ocorreriam durante novembro e dezembro de 2022. Em outro trecho, os suspeitos discutem a necessidade de trazer mais pessoas do Rio de Janeiro para a execução do plano.
“Os interlocutores indicam que estariam arregimentando mais pessoas do Rio de Janeiro para apoiar a execução dos atos. MAURO CID diz: ‘Para trazer um pessoal do Rio’. RAFAEL DE OLIVEIRA responde: ‘Pode ser preciso também’. MAURO CID, de forma mais enfática, afirma: ‘Vai precisar’”, revela a investigação.
Envenenamento de Lula e eliminação de Alckmin
Segundo a investigação, os acusados utilizaram o codinome JECA para se referir ao presidente Lula. O plano “Punhal verde-amarelo”, revelado pela PF, indicava que a “neutralização” de Lula abalaria toda a chapa vencedora. Para o assassinato, os suspeitos sugeriram envenenamento ou uso de químicos que causariam um colapso orgânico.
“Para execução do presidente LULA, o documento descreve, considerando sua vulnerabilidade de saúde e ida frequente a hospitais, a possibilidade de utilização de envenenamento ou uso de químicos para causar um colapso orgânico”, aponta a investigação.
O vice-presidente Geraldo Alckmin era citado como JOCA. O texto do plano operacional indicava que, na inviabilidade do “01 eleito” (Lula), a “neutralização” do vice-presidente seria necessária para extinguir a chapa vencedora.
“Como, além do presidente, a chapa vencedora é composta, obviamente, pelo vice-presidente, é somente na hipótese de eliminação de GERALDO ALCKMIN que a chapa vencedora estaria extinta”, apontaram os investigadores.
Uma terceira pessoa, referida como JUCA, foi mencionada como alvo de neutralização para desarticular os “planos da esquerda mais radical”. Contudo, os investigadores não obtiveram elementos suficientes para identificar quem seria essa pessoa.
Plano para prender e executar Moraes foi discutido no grupo “Copa 2022”
Mensagens obtidas pela PF mostram que os militares investigados chegaram a se posicionar em Brasília para tentar prender, sequestrar e executar o ministro Alexandre de Moraes.
“As mensagens trocadas entre os integrantes do grupo ‘Copa 2022’ demonstram que os investigados estavam em campo, divididos em locais específicos para, possivelmente, executar ações com o objetivo de prender o ministro Alexandre de Moraes”, afirma a PF.
Às 20h33 daquele dia, um dos integrantes enviou mensagem relatando que estava no estacionamento de um restaurante no Parque da Cidade, área central de Brasília. Ele escreveu: “Estacionamento da troca da primeira vez”, em referência ao local onde seria executada a ação.
“Segundo a autoridade policial, o local inicial, onde a pessoa com o codinome ‘Gana’ estava para cumprir a ação planejada, reforça que os investigados estavam executando um plano para, possivelmente, prender o Ministro ALEXANDRE DE MORAES, no dia 15 de dezembro de 2022”, diz Moraes em sua decisão.
Não ficou claro nos documentos divulgados o motivo pelo qual os investigados não executaram o plano. Mensagens revelam que uma das lideranças orientou para que o grupo se desmobilizasse e “voltasse ao local de desembarque”.
Investigados usaram aplicativos e codinomes para ocultar planos
De acordo com a PF, seis pessoas participaram do planejamento e, para dificultar o rastreamento das atividades ilícitas, utilizaram o aplicativo Signal, que oferece criptografia avançada, e usaram codinomes associados a países.
A investigação revelou que, no dia 3 de dezembro de 2022, quatro números de telefone habilitados sequencialmente em localidades próximas foram usados para discutir os golpes e assassinatos. Segundo os investigadores:
- As linhas de telefonia móvel foram habilitadas em nome de terceiros, sem relação com os fatos investigados;
- Foi criado um grupo denominado ‘Copa 2022’ no aplicativo Signal;
- Os participantes adotaram codinomes (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana).
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